Passei os quatro anos do governo anterior tentando descobrir a fórmula do desminionizamento. Sim, eu era muito pretensioso, principalmente porque eu não sabia como é ser um mínion, não tinha ideia de como (ou por que) um não-mínion passava a atacar vacinas, defender o acesso a armas e a chamar qualquer pessoa de comunista (em tom de ofensa).
O que mudou desde aquela época? Já chego lá. O mínion é um ser frustrado e revoltado. Sem lidar com essa frustração e revolta, ninguém vai convence-lo de nada. Por que estou dizendo isso? Por que começo a passar pela experiência mínion: meu lado frustrado e irritadiço aflora toda vez que vejo a ministra da Gestão dizer que o governo não vai fazer nada para recompor os mais de 30% de perda de renda real que os funcionários públicos federais tiveram nas gestões de Michel Temer e do neo-fascista.
Ministra, desse jeito, a senhora vai me empurrar para a oposição. Não de forma racional (a oposição de esquerda hoje é mínima e a de direta é horrenda) mas só por raiva. Outro dia li, num comentário de vídeo do Youtube, a frase que resume minha impressão do governo hoje: “aos meus inimigos tudo, aos meus amigos, o que dá, o que sobra”.
Num mar de concessões à direita, começando pelo discurso em defesa do novo teto de gastos (rebatizado como arcabouço) o governo deixa de lado seus apoiadores de primeira hora (e isso é muito frustrante). Se a coalizão governista frustrar muito mais gente, é capaz de ir mal já na eleição deste ano para prefeito e vereadores.
A direita pró-arcabouço não vai apoiar o governo quando surgir qualquer tipo de crise. Não. Ao primeiro sinal de dificuldade, ela vai inflar outro pato amarelo e fazer campanha (de novo) contra os impostos. Já vimos esse filme. Baixar o preço da energia e dar subsídios a todo tipo de indústria não fez Dilma Rousseff ser apoiada pela Fiesp (só fez o déficit orçamentário do governo aumentar e a direita usar o déficit como desculpa para o impeachment).
O governo brinca com fogo ao aceitar uma política de juros altos (caindo muito de vagar) e austeridade fiscal – que é o nome ortodoxo para esse novo teto de gastos. Juntos, os dois travam a economia. Há seis meses o PIB não cresce e, antes disso, cresceu puxado pela produção de soja e pela de minério de ferro (que foi exportada, não melhorou a vida de muita gente).
Para completar o pacote de frustração, a ministra anunciou o que seria uma fonte de esperança: disse que, se a arrecadação crescer muito, pode sobrar alguma migalha para os funcionários públicos. Ela está jogando para uma plateia de banqueiros? Porque não há benefício nenhum em ir para os jornais insultar funcionários que a cada dia têm mais dificuldade em pagar as contas.
Já tomei muitas doses de várias vacinas mas, entre os que se irritam com a ministra, vários não são vacinados – e podem receber vídeos conspiratórios do Youtube e mensagens de zap com “soluções fáceis” para “acabar com tudo que está aí”. A direita nunca interrompeu sua produção de vídeos negacionistas surreais.
Sim, desse jeito, a ministra vai conseguir votos para a oposição – a de extrema direita. Para conseguir o contrário, para desminionizar a população, deveria adotar a política oposta: oferecer algum alento em vez de anunciar austeridade. Austeridade não tem nada a ver com racionalidade econômica: é uma questão política mesmo, de disputa por poder – ela é a política dos partidos de direita. O livro neste link, da economista Clara Mattei, mostra como as políticas de austeridade foram inventadas. A ministra da Gestão, professora de economia, sabe de tudo isso. Então, por que não para de nos ofender com o discurso da austeridade?
PS.: O governo mínion, mesmo sendo governo, conseguia ter um discurso inflamado e revoltado (para mobilizar os mínions!). Já o governo atual é perfeitamente burocrático: é estruturado, ponderado e não seduz ninguém, não atrai para si os revoltados como o governo anterior fazia. Ao lado da política econômica, a política de comunicação também vai mal.
Não me canso de repetir: esperava mais desse governo.