O poder de empurrar

Há tempos o governo do Rio de Janeiro encontrou um jeito simples para resolver a maior parte de seus problemas: basta empurra-los para o cidadão.

A ideia é simples. Imagine que o governo tem um problema administrativo para resolver: tem que mandar a cobrança do IPVA para os donos de carros antes da data de vencimento.

Isso é um problema: é precio ter endereços, gastar com correio, dar conta das cartas que não chegaram… Solução: informar à imprensa que os boletos são emitidos via internet e que as datas também estão online, no site do Detran. Quem não olhar e correr atrás do prazo que pague a multa ou – eventualmente – tenha o carro apreendido.

Problema: é preciso organizar o sistema de transporte sem desagradar à empresas de ônibus que financiam os políticos eleitos. Solução: deixe como está que as pessoas dão um jeito de chegar ao trabalho ou em casa (por mais tempo e dinheiro que gastem com isso).

Problema: é preciso ter uma população educada, que se transforme em mão-de-obra eficiente para as empresas. Solução: oferecer salários baixíssimos para os professores públicos, atraindo apenas profissionais que não arrumam emprego em outro lugar. Isso é suficiente para cumprir as exigências do governo federal para repassar verba extra (Fundef, Fundeb e afins). A mão-de-obra depois será treinada em cursos on the job de uma semana nas empresas que tiverem a infelicidade de contrata-la.

Problema: é difícil marcar um exame ou uma consulta médica nas redes pública e privada de saúde. Solução: o estado não pode fazer tudo: as pessoas que esperem na fila, faltem o trabalho por estarem doentes e vejam seus parentes definharem por falta de atendimento.

O saldo, em economês, desse tipo de política é a baixa produtividade do trabalho. Se as pessoas, em média, têm uma formação escolar ruim, não têm como tratar da saúde, perdem horas para ir e voltar do trabalho, perdem tempo e paciência com obrigações burocráticas criadas pelo Estado (tipo vistoria de carro, renovação de carteira de motorista, emissão de certidão negativa, quitação eleitoral etc.) não se pode esperar que tenham muita habilidade ou disposição para produzir.

Aqui no Rio de Janeiro isso é gritante. A cidade do Rio ficou cara e lenta. Os entregadores de produtos erram o endereço e entregam o produto errado (e com atraso). Os caixas erram a conta (até para menos!), os ônibus caem de viadutos, os bueiros explodem, há esgoto jorrando em uma a cada cinco esquinas…

Produzir aqui é muito difícil. Há demanda – porque as pessoas precisam comer e se distrair – mas é cada vez mais difícil ofertar alguma coisa.

O cruzamento de demanda estável com falta de oferta se chama inflação: aumento de preços – que vemos em uma a cada duas esquinas.

Além de cara, a cidade vai ficando inóspita.

Para quem pode, a boa é fugir. A sensação é de que tudo pode desabar a qualquer momento.

Empurrar e morder.

Empurrar e morder.

Por que alguns jornalistas odeiam a mídia ninja

GárgulaFalar mal da Globo todo mundo sempre falou. Entre os editores executivos da emissora, há um que passou toda a faculdade fazendo discursos contra ela (eu estava lá, eu vi).

Mas só podia falar mal com convicção quem tinha visto de perto uma notícia distorcida ou, no máximo, quem tinha lido “pesquisas” de intenção de voto que acabaram muito longe dos resultados eleitorais. Mesmo nesses casos, sempre aparecia um colunista de jornal com uma explicação perfeitamente razoável para a diferença entre os números publicados e a votação.

Esta semana, um colunista da Veja e uma editora do Globo se esforçaram ao máximo para atacar a última novidade na cobertura de protestos: a mídia Ninja. Na Veja, um colunista supostamente liberal mostrou que é, isso sim, um conservador. No Globo, foi Cora Rónai – uma quase-sócia do jornal – quem atacou os ninjas.

Mas por que eles se incomodam? Por que pessoas que falam em nome de grandes empresas de jornalismo se preocupam em atacar os ninjas?

Não é por se sentirem ameaçadas. Longe disso. Elas estão seguras, com bons salários – que vêm de grandes bolos de publicidade oficial em empresas que estão longe de falir. Não é por medo.

Então por quê?

Pela desmoralização.

A novidade dos ninjas foi mostrar, ao vivo e sem cortes, o que acontece durante os protestos: mostrar a violência policial, os choques com arma amarela, a maneira como a policia “dispersa” as pessoas, as falsas acusações contra manifestantes, enfim, mostrar o que TV aberta (e a cabo) e os jornais de cobertura nacional não mostram.

Quem vê os vídeos dos ninjas pode – como quem estava no meio da passeata – dizer que a imprensa cobriu mal, que não mostrou a repressão policial, que foi viesada ao mostrar 20 pessoas quebrando vidraças em vez de 500 mil protestando pacificamente (e, depois fugindo, desesperadamente, de tiros e bombas disparados por funcionários públicos).

Enfim, os ninjas deram material para o publico ver como o jornal tradicional é tendencioso no Brasil (como vovó já dizia, mas agora com muitas provas).

Foi isso que irritou os jornalões. É por isso que se esforçam para atacar os independentes e põem em campo sua tropa de repórteres para procurar o cantor que se sentiu enganado em um show (entre centenas) promovido pelo grupo Fora do Eixo – que apóia os ninjas. É por isso que tentam associa-los a grupos políticos, por isso que tentam, de qualquer jeito, desmoraliza-los.

Mas vídeo ao vivo e sem cortes – de vários ângulos, de várias câmeras – sempre vai ser mais confiável que notinha de colunista de jornal.

Isso é meio óbvio, eu sei. Mas não custa repetir.

Recomendada pelo oriente e pelos humoristas nacionais: Muita calma nessa hora.

Recomendada pelo oriente e pelos humoristas nacionais: muita calma nessa hora.

O presente da PM para Sergio Cabral

O comandante da polícia militar do Rio de Janeiro ofereceu sua cabeça ao governador para tentar ajuda-lo a recuperar sua popularidade (12% de aprovação, segundo a última pesquisa).

Semana passada, o coronel Erir da Costa Filho publicou elogios a atuação da PM na repressão violenta aos protestos contra o governador nos últimos meses (com dezenas  de crimes, cometidos por policiais, registrados em vídeo). Segundo o coronel, os policiais agiram com “alto grau de profissionalismo”.

Erir, assim, estica o pescoço e pede a Cabral para cortar.

Se Cabral desperdiçar a chance de empurrar a responsabilidade para o subalterno, assumirá, ele mesmo, o papel de mandante dos tiros pelas costas, dos choques elétricos, da perseguição a inocentes e de toda a violência na repressão aos protestos.

Se recusar a oferta do coronel, Cabral assumirá que a ordem para reprimir é dele (o que provavelmente é verdade).

Mas, como político tradicional (e oportunista), Cabral deveria aceitar a cabeça do comandante. O público ficaria feliz: qualquer um que diga que os crimes da polícia são agir com profissionalismo tem que ser afastado até de pistolas de chumbinho (que dizer do comando da PM). Seria um defensor do crime a menos no topo da hierarquia da polícia (se defende policial criminoso, é bem mais do que corporativista).

Mas Cabral pode ter um momento Dilma e dizer: “não demito assessor a pedido de revista inglesa nem a pedido do próprio”.

Se não investigam (e punem) os PMs que acusaram um inocente de jogar cocktail molotov, se não afastam todos (sim, todos) os PMs da UPP da Rocinha para “averigua-los”, se não prendem os responsáveis pelo desaparecimento de um pedreiro dentro da UPP da favela e se – sem fazer tudo isso – o comandante da PM ainda vem tripudiar sobre a população dizendo que os criminosos que comanda são muito profissionais, então fica difícil negar: estamos em uma ditadura escancarada.

Elite da tropa?

Elite da tropa?