Preços errados

Todo economista devia saber que os preços de quase tudo estão errados. Mas – por uma série de problemas de formação – a maior parte deles acha o contrário: acha que os preços igualam a oferta e a demanda e por isso estão certos. Pior: alguns concluem que, mais do que certos, são justos!

Exemplo disso é o texto abaixo, escrito por um dos professores mais famosos da Escola de Chicago:

“(…) uma lei imutável do trabalho: quando há muita gente disposta e apta a fazer um trabalho, esse trabalho geralmente não paga bem. Esse é um dos quatro fatores significativos que determinam o salário. Os outros são: as habilidades especializadas que determinado trabalho requer, o desprazer [unpleasantness] associado a um trabalho e a demanda pelo serviço que esse trabalho oferece.”(Freakonomics 1, página 105).

Steven Levitt, co-autor do texto acima, é diretor do Centro Becker para para Teoria de Preços de Chicago. Ele deveria saber do que está falando.

Mas o que ele está fazendo é só aplicar a velha lei da oferta e demanda. Qualquer aluno de primeiro período de economia faz isso.

No aluno de primeiro período, a gente perdoa os deslizes. Nesse caso, o deslize é esquecer as hipóteses necessárias para que o equilíbrio entre oferta e demanda leve a um preço estável ou a um preço que “maximize o bem estar” – como diria um microeconomista – dados os recursos disponíveis.

E a lista de hipóteses é longa. Para um mercado ser eficiente, não pode haver monopólio pelo lado da oferta nem monopsônio (comprador único) pelo lado da demanda. Não pode haver problemas de assimetria de informação (o vendedor conhecer o produto melhor que o comprador) nem de total falta de informação (como quando não conseguimos avaliar um candidato a um emprego). Não pode haver incentivos distorcidos (“risco moral”, em economês) nem expectativas infladas artificialmente (bolhas especulativas).

Resumindo, há poucos mercados que se encaixam no padrão clássico em que oferta e demanda determinam o melhor preço possível.

Assim, devotados professores de matemática – que ralam e ganham mal em escolas públicas por todo o país – não precisam se sentir amaldiçoados pelo mercado ou perseguidos pelos “quatro fatores significativos” de Levitt. A história não está toda lá.

É fácil para um acadêmico bem pago (de uma universidade especializada em produzir banqueiros) dizer que ganha bem porque é especializado, porque faz coisas que os outros não gostam, porque há muita demanda pelo que ele sabe fazer ou ainda resumir tudo isso dizendo que ganha bem porque há poucos que nem ele.

Os alunos de Chicago pagam mensalidades exorbitantes porque acham que o que vão aprender lá vai compensar o gasto, ou porque recebem bolsas do governo do Brasil (por exemplo). Há muito de avaliação subjetiva e expectativas por trás dos determinantes do salário do nosso acadêmico.

Por outro lado, há muito de má alocação de recurso e desvio de orçamento por trás da “falta de verba”, a justificativa para pagar mal a professores de matemática aqui na terra dos papagaios.

Imóveis são avaliados a partir de expectativas exageradas sobre o crescimento da economia, planos de saúde são aumentados por conta de má regulação de monopólio, carros usados são vendidos por menos do que valem por falta de informação (assimetria de informação) e nós educamos mal a população por achar que o salário de mercado para professores de primeiro e segundo grau é esse mesmo.

Oferta e demanda são um bom ponto de partida para entender um mercado. Mas a graça não está em ficar repetindo “oferta e demanda, oferta e demanda”, como recomenda o autor do livro base de introdução à economia, Gregory Mankiw. Diferentemente do que diz Mankiw, a graça está em entender por que, em um determinado mercado, os preços não são os que deveriam ser se oferta e demanda se ajustassem sem problemas. Por que o aluguel é menor que o valor do imóvel vezes a taxa de juros, por que o preço das ações sobe e desce mais do que a chegada de novas informações justificaria, por que serviços de saúde iguais são muito mais caros nos EUA do que na França.

Isso é estudar economia. O resto, deixa que o mercado ajusta…

PS.Investir em professores de matemática deve ser muito mais rentável que comprar imóveis supervalorizados. Alguma hora, o mercado financeiro vai inventar um derivativo específico para fazer isso… A recente compra de escolas privadas tradicionais de São Paulo por grupos como a Pearson Education indica que já tem gente de olho nesse mercado.

Esfinge: transfira recursos para a construção de pirâmides ou te devoro.

Uma resposta em “Preços errados

  1. Como bom ignorante em economia, eu já andava repetindo muito o mantra do “preço de equilíbrio”. É bom ler algo mais esclarecedor de vez em quando para acordar.

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