Viagens à Lua, desigualdade extrema e vida vegetativa: o mundo assustador de UBIK

Há tempos os autores se divertem contando histórias do ponto de vista do vilão. A prática é bem mais antiga que O poderoso chefão, que é dos anos 70.

Terminei há pouco de ler o estranhíssimo UBIK, de Philip K. Dick. UBIK (escrito nos anos 60) faz parte dessa tradição narrativa. Mas, como em outras histórias, é preciso estar atento para perceber que Glen Runciter (um empresário idoso mas sempre muito agitado) é um dos vilões da trama. Parte dos funcionários de sua empresa desaparece sem deixar traço. Runciter acredita que eles fugiram do planeta. Por que simplesmente não pediram demissão? Seu principal funcionário vive na pobreza: não tem dinheiro para pagar a taxa de abertura de porta que o condapto que aluga cobra pelo “serviço de abrir a porta”. Ele quase fica preso em casa por causa disso. Seu chefe, enquanto isso, viaja em uma nave espacial própria, de luxo.

É sempre bom ver críticas ao presente serem contrabandeadas para os mundos da ficção científica. É curioso também que 1992, o ano em que a história se passa, tenha ficado tão longe do imaginado nos anos 60. O progresso tecnológico deu uma desacelerada nas últimas décadas… Carros voadores? Sem chance. Elétricos, no máximo – mas só nos países ricos.

Voltando ao livro, UBIK é sobre o mundo dentro de nossas cabeças. Uma das grandes inovações tecnológicas da história é o processo para compartilhar diretamente as percepções e acontecimentos que nossos cérebros criam.

O livro é também sobre morte, sobre compartilhar pensamentos à beira da morte, com personagens em estado vegetativo. Runciter mantém sua jovem esposa (à beira da morte) em um Moratório – um lugar para corpos congelados mantidos em “meia vida”. Ele a visita eventualmente para discutir os problemas da empresa, pois ela também é sua sócia.

Ao longo da história, outros personagens acabam ido parar no Moratório. Boa parte do livro se passa apenas na cabeça desses personagens – e nem todos percebem que foram levados para um Moratório. Não é difícil se colocar no lugar deles. Afinal, como o livro deixa claro, não há muito como ter certeza sobre quanto da nossa realidade está “lá fora” e quanto apenas dentro de nossas cabeças.

Capa psicodélica da edição mais recente de UBIK.

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