Todo mundo tem uma pseudociência de estimação

Não são só os mínions que acreditam em teorias sem fundamento. Por hábito, tradição ou por qualquer outro motivo, quase todo mundo tem algum tipo de credo mal fundamentado. E vale a pena ter clareza de que é um credo, não uma verdade, que não é uma coisa testada por cientistas obsessivos. A pergunta “de onde eu tiro as minhas certezas?” devia ser feita por todas as pessoas de tempos em tempos, como uma espécie de check up intelectual.

Por isso, Que bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério, de Natalia Pasternak e Carlos Orsi é um livro oportuno. Depois de denunciar vendedores de cloroquina e outros falsos profetas, Pasternak percebeu como era importante lembrar que muito do que adotamos como terapia no Brasil de hoje não pode ser chamado de Ciência, não foi desenvolvido e testado com métodos científicos. Em muitos casos, a “terapia” é só um conjunto de histórias – com algumas histórias falsas, fraudes conhecidas e delírios completos no meio.

Há “terapias” claramente tóxicas, como a Constelação familiar, criada por um ex-padre alemão ultra-conservador para “pôr as pessoas no seu lugar” e métodos inócuos, como a Homeopatia, que não fazem mal diretamente, mas podem manter o paciente longe de um tratamento mais efetivo.

Tomei remédios homeopáticos por toda a infância – e não me arrependo. Mas também não tomo mais. Eles me mantiveram longe de remédios com efeitos colaterais mais fortes enquanto meu corpo se curava sozinho… e isso me ajuda a ser menos hipocondríaco hoje. Sim, eu tive sorte por não ter nenhuma doença grave naquela época.

O livro de Pasternak e Orsi fala de muitas técnicas, terapias e afins que usam jargões de Ciência, usam métodos matemáticos mas não passam em testes como os que se faz hoje para verificar a efetividade de medicamentos. A Homeopatia, por diluir demais os princípios ativos, acaba tendo mais efeito placebo que efeito mesmo. E, para me convencer disso, os autores do livro contam sua história desde a criação, no século XVIII (também na Alemanha), falam sobre como seus princípios ativos foram escolhidos e como – extremamente diluídos – não passam nos testes clínicos (testes com grupos de controle tomando placebo e outros protocolos).

A terapia mais tradicionalmente aceita que o livro desmascara é a Psicanálise, criada há mais de 100 anos pelo austríaco Sigmund Freud. Freud não fez muitos testes para verificar suas hipóteses sobre como nosso subconsciente, inconsciente e afins funcionam (não fez nenhum se considerarmos os padrões de hoje para testes clínicos). Sua teoria é baseada em uma (pequena) amostra de descrições de casos. E mesmo esses casos parecem não ter se desenrolado exatamente como Freud descreveu em seus livros. A correspondência do “pai da psicanálise”, revelada no fim do século passado, desmente várias das “curas” que, nos livros, ele diz ter conseguido.

O fato é que não há nada que prove que são memórias reprimidas – memórias empurradas para o porão obscuro do inconsciente – as responsáveis por nossos problemas psicológicos. Não há nada que prove que há um inconsciente que acumula memórias reprimidas, como o descrito por Freud.

E fazer uma terapia que toma esse inconsciente e mais um monte de mitos (Édipo e afins) como estrutura para nossa forma de funcionar psicologicamente pode não resolver nossos problemas, pode até piorá-los. Acreditando na teoria de Freud e sem ter como testá-la, psicanalistas podem acabar fazendo mais mal do que bem a seus clientes. Ouvir pacientemente um cliente e tentar orientá-lo para lidar com suas angústias é geralmente uma boa ideia. Mas a forma de orientar, a partir de teorias nunca provadas, pode, em muitos casos, ser ruim.

O que fazer então? Não sei. Mas procurar um curandeiro não vai eliminar o câncer (ou a psicose) e ter alguma ideia do que não fazer já é um bom começo.

De novo: temos que pensar em de onde tiramos nossas certezas para escolher terapias (e para tomar decisões de forma geral). Quando o livro de Pasternak e Orsi foi lançado, vi uma entrevista de Orsi no UOL. A entrevistadora passa a maior parte da entrevista defendendo a Psicanálise. Ela não disse, mas só faltou dizer: “Eu faço análise desde os cinco anos. Meus pais são psicanalistas. Tem que ser uma boa terapia.”

Às vezes é difícil se desapegar e abandonar velhos suportes (em alguns casos, velhos compromissos profissionais e velhos argumentos que – fazer o quê? – ficaram velhos). Mas dá para ler novos autores e pesquisar outros ramos da Psicologia. A Psicologia não é só Psicanálise, não é só Freud, Lacan e oráculos similares. Tem pesquisa com Método científico lá também.

De um jeito ou de outro, a entrevista no UOL foi (involuntariamente) engraçada.

Não posso deixar de dizer que a crítica de Pasternak e Orsi não é nova. Eles destacam casos novos, como a Constelação familiar, que têm que ser apontados antes que façam mal a mais pessoas, mas a crítica à Psicanálise, em especial, vem desde a época em que ela foi criada.

Nos anos 60, o filósofo Karl Popper usou a Psicanálise como exemplo de o que não é o Método científico. Segundo a definição de Popper, para uma hipótese estar no campo da Ciência tem que existir alguma forma de testá-la, de compará-la com o mundo real para, dependendo do resultado do teste, refutá-la. Uma hipótese, para ser Ciência, tem que ser potencialmente refutável. Mas as explicações da Psicanálise não são refutáveis. Quando alguma coisa não sai como esperado, o psicanalista pode sempre criar uma nova explicação para o caso (que o adéqua novamente à teoria psicanalítica). Nada que observe nos pacientes fará o analista refutar a teoria que está aplicando. A teoria permite explicar cada caso de muitas maneiras: é flexível, adaptável e, desse jeito, nunca é posta à prova. A posteriori, ela sempre explica tudo.    

Popper lembra que a Teoria da relatividade precisou que um comitê científico fosse ao Ceará fotografar uma estrela perto do Sol durante um eclipse para ver se ela estaria onde a teoria de Einstein previa ou se ficaria no lugar previsto pela Física clássica, de Newton. Se o resultado do teste fosse negativo, jogaríamos fora a Teoria da relatividade porque ela seria pior que a teoria de Newton para descrever o Universo.

Outros campos (eu sempre volto à Economia) adotam hipóteses não testáveis (como a das Expectativas racionais) e até hipóteses já testadas e refutadas (como a Hipótese dos mercados eficientes, que é refutada toda vez que uma bolha especulativa estoura). E, mesmo assim, não faltam repórteres e colunistas de jornal para reproduzir o que dizem os economistas neoclássicos que propagam essa pseudociência. É um perigo! Adotar terapias não comprovadas (mesmo terapias econômicas para a administração pública) pode ser muito destrutivo.

Da próxima vez que você ouvir um economista reclamando dos gastos públicos ou defendendo juros estratosféricos, pergunte a ele de que estudos científicos ele tira suas certezas simplórias. E se ele mostrar um artigo acadêmico sem texto, só com equações, pode chamar de charlatanismo: a matemática com agregados, usada por esses economistas, não é muito melhor que a usada por astrólogos em seus mapas celestes. O jargão esotérico e a matemática mal usada fazem parte do kit pseudocientífico.

A incrível capacidade dos economistas neo-clássicos para errar previsões já os aproxima dos astrólogos, descritos no livro de Pasternak e Orsi. Minha única crítica ao livro, então, é ter esquecido os economistas “ortodoxos”, os neoclássicos (ou neoliberais, ou plutocratas mesmo). Eles também mereciam um lugar na lista das pseudociências, ao lado da Antroposofia, dos discos voadores e do pensamento positivo.  

Freud na minha estante: entre a Literatura e a Bruxaria.

PS. Assisti há pouco ao episódio do GregNews que ataca o livro. Não existe propaganda ruim: eles estão divulgando o livro para um público que anda não o conhecia. Mas a crítica raivosa – com acusações até de conflito de interesses – não teve graça: mostra só que os editores do programa fazem Psicanálise há muito tempo e que, previsivelmente, isso não está os ajudando.  

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