Consultoria luciferina

Os aristocratas e donos de grandes empresas estão convencidos de que o inferno é aqui. Mas isso não é um problema. Há tempos, eles adotaram a máxima de que “é melhor reinar no inferno que servir no paraíso”.

Essa é a única explicação que encontrei para a cobertura pífia que O Globo, O Estado de S. Paulo e alguns outros jornais deram aos protestos do último sábado, contra o governo.

Sim, O Globo é contra o governo, mas só até certo ponto. Algumas políticas, como a de supostamente espalhar o vírus para tentar atingir uma “imunidade de rebanho” (hipótese investigada hoje pela CPI da Covid), são destrutivas até para a aristocracia nacional e ela deixa claro que é contra. Nessa hora, O Globo é um crítico do governo.

Se até o gado de verdade, nos pastos do Mato Grosso, toma vacina contra febre aftosa, não vacinar a população humana do país já é abusar da maldade – e está dando prejuízo para muitos empresários com a falta de horizonte para o fim da crise.

Mas, quando o assunto é política econômica, O Globo é um entusiasta do governo: defende as privatizações com mais ânimo que boa parte dos integrantes do primeiro escalão. O jornal defende o destrutivo Teto de gastos e elogia o encarregado de implementa-lo: o auto-declarado inimigo da Administração pública, Paulo Guedes.

É aí que entra a consultoria de Lúcifer, o personagem de John Milton que produziu a frase entre aspas no primeiro parágrafo. O Teto de gastos é destrutivo. Ele trava o crescimento da economia, sucateia os serviços públicos básicos e pode afundar o país em uma espiral grega (tipo a que a Troika europeia impôs à Grécia na década passada). É uma política de decadência e desespero.

Lúcifer recomenda o teto. Ele mantêm no poder quem está no poder, mantêm como mão-de-obra desesperadamente barata quem não está no poder, enfim, impede que as coisas melhorem para que elas continuem como estão (mas com uma distribuição de renda ainda pior!).

O teto é de uma mesquinharia atroz porque aumentar o gasto público com saúde para acompanhar o crescimento da população e manter as pesquisas das universidades públicas com financiamento razoável não vai quebrar o país. Pelo contrário: vai aumentar sua produção.

Fazer ajuste fiscal durante uma crise (o que é conhecido como “contração expansionista”, “fada da confiança” e por mais alguns nomes depreciativos) não é ciência econômica, é cascata de lobistas para seus clientes pagarem menos imposto.

Mas em nome do Teto de gastos – desse mundo com poucos serviços públicos e poucos impostos para grandes empresas – a imprensa apoia um governo que os aristocratas consideram capaz de impor essa política a uma população completamente atordoada.

A defesa da imprensa é feita e um jeito pouco honesto: elogiam o ministro, deixando de lado quem o indicou, e (estranhamente) esquecem de dizer que há alternativas à contração expansionista da fada aristocrática confiante ou como quer se chame essa política vergonhosa.

A alternativa pode vir dos protestos nas ruas, protestos pela volta da racionalidade à política e pelo fim do governo atual (com todos os seus ministros e conselheiros informais/paralelos).

Charge de Montanaro, na Folha de São Paulo de hoje.

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