“Não tirarás conclusões sobre o comportamento de indivíduos a partir de dados agregados”

A revisão da bibliografia tem seus bons momentos. Para qualquer pessoa que pesquise um tema muito específico, há horas em que – sem nenhum aviso – surge uma pesquisa que se encaixa perfeitamente no que você procura (e não só mostra que há outras pessoas angustiadas com o mesmo problema como que elas já acharam algumas soluções).

Há anos, me estresso vendo economistas que fazem regressões com dados macroeconômicos (e que garantem que elas provam alguma coisa). O crime que eles cometem tem vários nomes. Estatísticos dirão que eles ignoram o Paradoxo de Simpson. Bons economistas dirão que eles violam o Teorema de Nataf. Sociólogos e cientistas políticos dirão que cometem uma Falácia ecológica. Também já vi chamarem de problema macro-micro mas o melhor nome (ou pelo menos o mais claro) é problema da agregação de dados.

Foi na Ciência política que achei a referencia no título deste post: ela está no trecho abaixo, escrito por Gary King, professor de Havard e uma das pessoas que reconhecem o mal uso de dados agregados quando o vêem:

Successive generations of young scholars and methodologists in the making, having been warned off aggregate data analysis with their teachers’ mantra “thou shalt not draw conclusions about individual behavior from aggregate data”, come away with the conviction that the ecological inference problem presents an enormous barrier to social science research. This belief has drawn a steady stream of social science methodologists into the search for a solution over the years, myself included.

São muitas coisas boas em um mesmo parágrafo. Primeiro, em outros campos – fora da economia – as pessoas estão atentas ao problema do mal uso de agregados. Lá, elas alertam os estudantes sobre isso (diferentemente dos economistas) e lá elas pesquisam métodos para lidar com esse problema.

Agora a parte irritante: o livro de King sobre como lidar com problemas de agregação em tabelas de contingência – um caso específico para o qual ele bolou um tratamento também específico – custa quase R$ 400, graças à nossa moeda desvalorizada…

Mais pessoas preocupadas com os problemas de agregação.

De graça, na Amazon, a história de como os economistas ficam maus

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Está de graça, no site da Amazon, Teoria, o único romance contemporâneo em que os vilões são economistas avessos a qualquer sentimento de culpa.

Como alguns economistas ficam maus? A dúvida não é por quê, mas como: o que acontece com eles para querer reduzir as pensões de viúvas e órfãos ou para pensarem em baixar para R$ 400 o Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) de boa parte dos velhinhos sem dinheiro que hoje têm direito a ele?

Este romance é a história de uma economista assim. Ele vai ficar de graça, no site, até quinta-feira (02/05).

Fim de Copa

Ônibus com argentinos gritando (felizes) na janela, soldados do Exército em pé a cada 30 metros na Praia do Flamengo e helicópteros da polícia fazendo barulho sobre a cidade. Não, não é um dia comum no Rio de Janeiro.

Ontem, na TV, a candidata à reeleição Dilma Rousserf declarou, em entrevista à Globonews, que se orgulha do sistema de segurança adotado para a Copa do Mundo.

O Exército está nas ruas e, também ontem, 19 pessoas que participaram de manifestações antes da Copa foram presas preventivamente pelo governo. Hoje, um pequeno protesto na Tijuca já reúne mais policiais (para, eventualmente, dispersa-lo/reprimi-lo) do que manifestantes.

Daqui a pouco, às 16h, a TV vai mostrar uma grande festa no Maracanã. O que fica para o Rio de Janeiro são presos políticos, Exército na rua e candidatos à reeleição capazes de ir para a TV e dizer que se orgulham de seu “sistema de segurança”.

Não me interessa se o jogo de bola vai ser ganho por argentinos ou alemães. A tendência lenta em direção à abertura política, que o Brasil seguia desde os anos 80, foi revertida.

Policia cerca e reprime manifestação na Tijuca. Vários manifestantes presos (até agora sem número oficial) e vários espancados, atendidos em hospitais.

Polícia cerca e reprime manifestação na Tijuca. Vários manifestantes presos (até agora sem número oficial) e vários espancados, atendidos em hospitais.

PS. Links para fotos e textos sobre o que aconteceu à tarde na Tijuca:

http://oglobo.globo.com/rio/pelo-menos-cinco-pessoas-ficaram-feridas-em-protesto-na-tijuca-entre-jornalistas-comunicadores-13241035

http://oglobo.globo.com/rio/pms-manifestantes-entram-em-confronto-na-tijuca-13243876

http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/posts/2014/07/13/estado-de-sitio-na-praca-saens-pena-542528.asp

http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/grupo-faz-protesto-na-tijuca-contra-a-copa/53c2ea9f3b0b7c8860001186.html#foto=17

http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-07-13/manifestantes-dispersam-e-policia-segue-cercando-a-praca-saens-pea.html

 

Quaquá inelegível

Você sabe que a política virou uma espécie de ópera bufa quando a notícia política local mais importante do dia é:“Quaquá fica inelegível”.

Cassado pelo TRE pela segunda vez (com recurso ainda possível ao TSE) o presidente regional do PT, Washington Quaquá, foi um dos políticos que comandaram a debandada do partido do governo Sérgio Cabral.

Só para registrar: Quaquá foi condenado porque, candidato à reeleição na prefeitura de Maricá, “reajustou a remuneração de parte dos servidores em até 100% após o período permitido pela legislação”. Antes, já tinha sido condenado porque, na mesma campanha pela reeleição, ” enviou 11.073 telegramas convocando eleitores ao lançamento do programa social “Renda Melhor”, que não constava no orçamento do município no ano anterior.”

Quaquá e seus eleitores.

Quaquá e seus eleitores.

O príncipe Potemkin e a cascata da Crimeia

Estou lendo sobre mau uso de números. O nome do livro é Proofiness, o autor, Charles Seife. O primeiro exemplo de manipulação numérica do livro é o que o autor chama de números de Potemkin.

Os números de Potemkin são fraudes, puras e simples: números inventados para enrolar passantes distraídos. Seu nome é uma homenagem ao príncipe Gregory Potemkin que, para enganar a imperatriz da Rússia (que visitava sua região), teria mandado construir fachadas de casas ao longo do caminho pelo qual ela passaria. A ideia era convence-la de que a região era mais que o bando de terrenos baldios que realmente era.

Segundo a lenda, Potemkin sabia que a imperatriz jamais saltaria de sua carruagem para ver de perto as casas do caminho. E sua fraude foi bem sucedida: convenceu a imperatriz russa de que aquela parte da Crimeia – sim da Crimeia – era uma região movimentada e cheia de atividade econômica.

O mundo da voltas.

Fachadas no caminho: bem longe da Crimeia.

Fachadas no caminho: bem longe da Crimeia.

O recado foi entendido (acho)

Há novos autores. Tempos instáveis são bons para a literatura.

Quanto maior o caos, melhor para os romancistas assustados.

Esta semana, li Digam a Satã que o recado foi entendido, de Daniel Pellizzari. O livro é da leva de romances em cidades estranhas – que a Cia. das Letras editou depois de deportar (temporariamente) um grupo de novos autores brasileiros – cada um para uma cidade. Pellizzari foi pra Dublin e, entre pubs e irlandeses desorientados (e também poloneses e uma eslovena), faz uma mistura meio ácida de humor e ceticismo. Sobra até para Chicomecoatl, a (vingativa) deusa asteca do milho.

Depois de uma apresentação categórica sobre como a evolução foi cruel com as mulheres russas – e dos delírios de um líder de seita neo-celta pró-ofídios que quer salvar o mundo do apocalipse – acho que entendi o recado.

Mas a melhor cena do livro é um dialogo entre dois estudantes da universidade local (um brasileiro e um belga) sobre livre arbítrio. A discussão é em voz baixa: acontece à noite, enquanto os dois – quase contra a vontade – tentam roubar múmias de um museu irlandês.

Sim, o recado foi entendido.

Na terra de Yates, com uma eslava explosiva.

Na terra de Yates, com uma eslava explosiva.

O futuro da futurologia (é afundar)

O futuro está em Delfos.

O futuro está em Delfos.

Imagine um sistema cheio de “agentes”, cada um deles tomando decisões, produzindo e consumindo. Você olha o sistema (um formigueiro, uma cidade, um grupo de neurônios) e vê alguns padrões de comportamento para o grupo.

Até aí, tudo bem. A pergunta é: o padrão é estável? Uma formiga rebelde ou o assassino do arquiduque Franz Ferdinand pode mudar os padrões de uma hora para outra?

Ou ainda, de um jeito mais presente: dá para ter ideia de quem vai ganhar as próximas eleições?

Bom, com muitas pessoas remando o barco para a praia, é possível que ele chegue lá (e o governo já está arregimentando remadores). Mas um tornado pode aparecer no caminho, o Brasil pode perder a final da Copa no Maracanã (frustrando milhões de torcedores e os levando a votar contra tudo que está aí…), enfim, nada é garantido.

O estranho em ler sobre sistemas complexos e análises de risco é que os livros não melhoram nossa capacidade de prever o futuro. Eles nem dizem o que já sabemos: dizem que não sabemos coisas que achávamos que sabíamos. E o futuro é uma dessas coisas que, às vezes, achamos que sabemos mas que (sinto muito economistas e jogadores de búzios) simplesmente não temos como saber.

O fim está próximo?

Sob o sol carioca de 40 graus, a menina da Unicef se aproxima para pedir dados de cadastro para doações mensais. Sorrio e digo: “Já falei com vocês.” Ela sorri de volta. Este é o jeito menos indelicado que encontrei para dizer: “desculpe, não posso assumir mais compromissos.”

Desvio, depois, dos Médicos sem fronteira, que têm seus cadastradores doações perto da Rua Sete de Setembro. Na Av. Rio Branco – em pé sob os andaimes de um prédio em reforma – uma menina com canetas e chaveiros olha para mim: “Eu estou levantando dinheiro para…” (confesso, já não lembro mais a causa nobre). Compro uma caneta: R$ 5,00.

O estranho nisso tudo é que, quanto mais vejo o presidente do IPEA dizer que está tudo melhorando, que o país nunca esteve tão bem, mais vejo pessoas nas ruas pedindo dinheiro, mais vejo pessoas indo ao médico com novos problemas crônicos, mais as vejo não dando conta da rotina de trabalho. Tenho a sensação de que tudo pode desabar de uma hora para outra.

Não, eu não tenho nenhum número para “provar” a tese. Na verdade nem tenho uma tese: é só uma sensação de queda, uma espécie estranha de mal estar.

Começo, de algum jeito, a entender os malucos que saem com cartazes de “o fim está próximo” em filmes da Sessão da Tarde.

Esperando pelo fim.

Esperando pelo fim.

O comércio, em tempos de revolta

A livraria Saraiva, no Edifício Avenida Central, está vendendo máscaras do filme V de Vingança. Se você tiver esquecido a sua no dia da passeata, a livraria pode funcionar como loja de conveniência. Sim, eu sei: as máscaras estão proibidas no Estado do Rio de Janeiro.

Seguindo pela Av. Rio Branco, é possível ver os bancos, ainda com as fachadas cobertas por tapumes. O curioso são as pichações nos tapumes. No tapume do Itaú, perto da Rua Buenos Aires, há um ofensivo: “Este banco financia o Jornal Nacional”.

Os “Fora Cabral! Vá com Paes” são bastante comuns mas, em frequência, nenhum texto bate o do cartaz “Temos carne de rã”, que, pelo que entendi, é realmente uma propaganda de carne de rã (o cartaz tem um número de telefone).

Há tapumes com propaganda de eventos e há até tapumes bem pintados, para ficar onde estão por muito tempo. Em um deles, vi uma pichação de financiamento para compra de carros: “Não pague juros altos”, dizia o texto.

A da loja era ainda mais simples do que esta.

A da loja era ainda mais simples do que esta.

PS.: Passei de novo em frente à Saraiva do Avenida Central. A máscara de plástico do V de Vingança estava lá: à venda por R$ 79,21. É para revoltados ricos.

Professores de escola pública, por exemplo, não podem comprar.

PS2.: Para quem não lê comentários de post: a máscara vem com a revistinha do V de Vingança – meio escondida no fundo da caixa, na vitrine. Ainda assim, R$ 79,21 é um exagero.

Precisa-se de 313 matemáticos e 169 físicos. Paga-se R$ 2.028

Conheço uma bióloga desempregada. Mas não vou dizer a ela que o governo do Estado do Rio de Janeiro abriu vagas de 16 horas semanais para biólogos (salário R$ 1.083) nas escolas da rede pública.

As vagas para matemáticos e físicos são para trabalhar 32 horas semanais. Não consigo imaginar o perfil dos aprovados. Afinal, há emprego para matemáticos e físicos em bancos, empresas de petróleo e telecomunicações e em todo tipo de órgão público bem remunerado. Quem sobra para as 482 vagas em escolas estaduais?

Depois de derrotar o sindicato dos professores em uma greve de mais de dois meses (em que os professores só conseguiram, na prática, evitar o desconto dos dias parados), o governo abre edital para ocupar as vagas dos que arrumaram empregos melhores ou se aposentaram. Segundo o governo, a maior parte das vagas foi aberta por aposentadorias.

Acho curioso. Afinal são 313 vagas para matemática e 22 para história. Os matemáticos da rede estadual são mais velhos que os historiadores?

Sem perspectiva de melhora – e a promessa de pancadas da polícia em caso de mais greves – a carreira de professor secundário fica cada vez menos atraente. Não adianta dizer que a hora/aula no Rio é maior que em outros lugares: o custo de vida no Rio é muito maior do que em outros lugares.

Considerando o despreendimento do governador na hora de fazer declarações surreais, não vou me espantar se, nos próximos meses, ele aparecer na TV fazendo propaganda do Rio: um lugar onde é fácil ganhar mais que físicos, matemáticos e afins (qualquer vendedor de shopping consegue).

Com seu salário, um professor de biologia que não coma nem ande de ônibus (nem tenha contas de luz, gás etc.) consegue comprar 15 potes grandes de Ginko Biloba importada todo mês!

Com seu salário, um professor de biologia que não coma nem ande de ônibus (nem tenha contas de luz, gás etc.) consegue comprar 15 potes grandes de Ginkgo Biloba importada todo mês!

Juntando um pouquinho de dinheiro para fechar a conta, o salário de professor de biologia compra 7 galinhas pintadinhas de pelúcia em um shopping de Botafogo.

Juntando um pouquinho de dinheiro para fechar a conta, o salário de professor de biologia compra 7 galinhas pintadinhas de pelúcia em um shopping de Botafogo.

Como vive alguém que passou por cinco anos de faculdade e ganha esse salário?

Como vive alguém que passou por cinco anos de faculdade e ganha R$ 1.083?

O protesto dos professores

Cheguei tarde à passeata dos professores – e cheguei pelo lado da Av. Presidente Vargas. Tive que desviar do “bloco da polícia” que fechava a passeata. Era uma quantidade realmente grande de policiais – fechando (no sentido estrito) a manifestação.

Mas a passeata foi excelente. Se tivesse um pouco mais de traquejo com a parafernalha do blog postaria os vídeos de manifestantes cantando “A educação parô-ôu!”, com as vozes de dezenas de milhares de pessoas na Av. Rio Branco, às 19h de hoje.

Preocupava um pouco a presença ostensiva da Tropa de Choque. Eles ficavam a cada dois quarteirões, em grupos de 20 ou 30, com escudos e cacetetes, encostados a prédios da avenida. Sem nomes nas fardas, tinham as tais identificações alfanuméricas.

Vi o momento em que um grupo de mais de 20 policiais resolveu prender um manifestante (pacífico) no meio da multidão. Eles foram, os 20 ou 30, para cima do sujeito. Não sei se ele estava usando máscara ou qual foi a justificativa. Mas, em pouco tempo, havia uma roda de câmeras e filmadoras em torno da cena e a multidão gritava “au au au, cachorrinhos do Cabral!”.

passeata 15_10

Os policiais se retiraram. Passaram ao meu lado na calçada e – pelo que pude ver – dessa vez não levaram ninguém. É difícil enfrentar uma multidão de professores.

Mas ser chamados de poodles do governador não foi o bastante para lhes ensinar a lição do dia.

Eu já estava longe quando a confusão do fim do protesto começou. Desenvolvi um sentido especial para pressentir o fechamento das portas da estação do Metrô e corri para lá a tempo de entrar.

O que posso dizer com segurança é que – pela quantidade de policiais no trajeto e no bloco de fechamento da passeata – houve certamente um momento, na hora da dispersão, em que eles se tornaram maioria.

Fico assustado vendo os narradores da TV dizerem em tom acusatório: “Vocês estão vendo um manifestante usar um tapume como escudo!”. Sim: como escudo, para se defender de alguma coisa. Fico assustado vendo a quantidade de bombas de gás voando e o locutor da Globo, o tal Bonner, dizer: “foi um grupo de mascarados…”

Alguém disse a ele para parar de dizer “vândalos”. Já é um progresso. Mas falta cobrir melhor como as passeatas são “dispersadas”: em que momento a polícia decide “dispersar” os manifestantes e a partir de que horas o Metrô fechado se junta à falta de ônibus (as ruas estão fechadas) e a polícia age como manda o governador.

passeata 15_10b

PS. Vi há alguns dias um documentário sobre o fim do comunismo no Leste Europeu. Os documentaristas recuperaram um trecho do jornal da noite da Alemanha Oriental de dias antes da queda do muro. Antes do muro cair, os alemães orientais já fugiam de carro, passando por outros países para chegar à Alemanha Ocidental. O locutor do jornal – com a cara mais dura do mundo – dizia que aqueles fugitivos estavam sendo “expulsos” do país.

Lembrei disso vendo o Bonner não dizer “vândalos” no Jornal Nacional. Não é ele quem decide como as passeatas serão mostradas no jornal da noite. Ele é um rosto, como o do apresentador alemão, alguém que está lá para repetir uma determinada versão.

Me senti, de novo, em um regime totalitário. Mas gostei de pensar que o status de celebridade de algumas figuras, de alguns apresentadores e “jornalistas”, se perdeu de vez.

Agora dá para ver melhor o que eles são.

PS2. Os jornais de hoje (16/10) mostram as decisões do comando da PM e do governador no fim da noite de ontem. Foram presas 190 pessoas. Os acampados – que estavam há semanas nas escadarias da Assembléia Legislativa – foram levados em ônibus para oito delegacias espalhadas pelas cidade, da Taquara à Ilha do Governador.

Por estar acampados perto do palácio, 43 pessoas foram acusadas de formação de quadrilha com agravante de aliciamento de menores.

PM

Policiais militares deram tiros para o alto  com munição real. Pelo menos um manifestante foi hospitalizado com um tiro – que o atingiu nos braços.

Segundo a Folha de S. Paulo, agora, cerca de 24h depois dos protestos, 64 manifestantes continuam presos. 

Resposta eficiente de Marina Silva

Há uma diferença respeitável ente ser politicamente correto e se oferecer como saco de pancadas.

Depois de levar a primeira rasteira na corrida eleitoral, Marina Silva parece ter deixado claro que vai bater de volta, com força, realmente para machucar- mas sem jogar baixo.

A decisão de apoiar Eduardo Campos – depois que cartórios eleitorais do ABC paulista, Brasília e outros lugares se recusaram a reconhecer assinaturas para fundação da Rede – é mais do que desistir de uma candidatura própria.

Apoiando Campos, sendo, provavelmente, candidata a vice, Marina se defende de novas rasteiras e cria uma candidatura com boas chances de ir para o segundo turno – e de ganhar a eleição.

O PSDB, há três eleições, entrega de bandeja a vitória ao PT. O partido é tão pouco aguerrido – e Aécio Neves tão menos aguerrido que o partido – que não dá para esperar muita coisa.

Se aliando a uma raposa política com uma boa base de apoio, como Campos, Marina bateu naquilo que o PT mais presa, sua continuidade no poder.

A dupla Campos-Marina tem boas chances em 2014. E, se o PT tentar outros golpes baixos, como fez com a fundação da Rede, a resposta vai ser dura, não tenho dúvida.

Com muita tranquilidade.

Com muita tranquilidade.

Pequena aula sobre como encarar a polícia

Imagem resumo do protesto dos professores municipais, ontem, na Cinelândia, Centro do Rio de Janeiro. A repressão policial foi violenta (a Globo só mostrou pessoas quebrando vidraças) mas deu para ver que nem todo mundo se intimida com as balas de borracha e com o efetivo exagerado da polícia nas passeatas.

Fábio Motta, Agência Estado, 01/10/2013.

PS. A foto é também uma aula de jornalismo: ela não foi tirada nem do ponto de vista dos manifestantes nem do da polícia. O fotógrafo estava no espaço entre os dois grupos, assim como a professora que deu a bronca nos policiais.

PS2. Foi estranho – embora não surpreendente – ver no Jornal Nacional a proposta apresentada pelo prefeito Eduardo Paes – e aprovada pelos vereadores em seção fechada (com a polícia explodindo bombas na porta) – para o plano de carreira dos professores. Apresentada pela Globo, a proposta parece boa. Só esqueceram de dizer que ela vale para menos de 10% dos professores do município.

PS3. Com um salário de R$ 1.224 para trabalhar 22h (poucos trabalham 40h e ganham R$ 4.000 como alardeou a secretária municipal de educação, Cláudia Costin), sem grandes perspectivas de melhora e ainda apanhando da polícia, quem ainda vai querer dar aula para alunos de primeiro grau? Afinal, comissões incluídas, o salário de um vendedor de roupas é melhor.

PS4. A Globo também lembrou – em algum dos seus jornais – que os professores são contra a “avaliação por desempenho”, proposta pela dupla Paes/Costin. Faltou explicar como o desempenho dos professores é avaliado. O número de alunos aprovados é um dos critérios. A aprovação automática, dos tempos de Garotinho no Governo do Estado, era, pelo menos, mais explícita.

PS5. Já me disseram que a imagem aí em cima não resume o que o batalhão de choque fez nem a quantidade de bombas de gás que a polícia jogou do alto dos prédios sobre os professores. Mas, de qualquer jeito, fiquei feliz em ler os posts de professores descrevendo como o Black Block chutou de volta as bombas de gás da polícia e ofereceu água e ajuda aos atingidos pelo gás lacrimogênio. O bloco parece, cada vez mais, um grupo disposto a defender os manifestantes da truculência policial. As agressões físicas, registradas nas passeatas, são sempre cometidas pela polícia – que recebe a famigerada ordem para “dispersar” e a executa com entusiasmo. Sem o Black Block para defender os manifestantes, o número de vítimas sérias do gás e de pancadas de cassetete seria, certamente, maior.

40 anos esta noite

Saí do Rio logo depois do 7 de setembro, na madrugada do dia 8. A polícia já tinha parado de prender manifestantes nas ruas quando fui para o aeroporto. Quatro dias no Chile. Saí de lá hoje, 11 de setembro, aniversário de 40 anos do golpe de estado chileno.

Ontem à noite, a TV chilena mostrava os protestos locais – com estudantes bloqueando avenidas com galhos acessos.

O fogo era logo apagado por jatos d´água de um caminhão pipa carabinero (a polícia militar de lá).

Na TV, o locutor se referia aos manifestantes como “los anti-sociales”, reparava que  eram jovens – “menores de edad” – e não usavam máscaras.

Os estudantes, poucos onde as câmeras estavam, tratavam de desaparecer rapidamente antes que os carabineros chegassem. Eles parecem ter mais prática em lidar com repressão que os daqui.

Pulei para os canais vizinhos (eles têm até Al Jaseera na TV a cabo chilena). No canal alemão, um biógrafo de Pinochet debatia, em espanhol, com um apresentador e mais dois convidados.

“A estrutura de muitas coisas no Chile, do sistema financeiro ao sistema de educação, é pinochetista, até hoje. É difícil mudar isso. Ainda há muita resistência”, disse. Mas sua melhor tirada só poderia ser feita por um alemão de cabelo branco, como ele:

“Faz quarenta anos hoje. Agora as pessoas estão começando a discutir, a recuperar a memória. Quando acaba a ditadura há um bloqueio: as pessoas não querem falar sobre ela. Na Alemanha foi igual. Quanto tempo demoramos para começar a falar sobre o período nazista? Foi mais ou menos 40 anos.”

Ouço isso e não posso deixar de pensar que o golpe brasileiro é mais antigo que o chileno: tem quase 50 anos. Já deveríamos ter entendido bem o que ele foi. Não deveria ser possível que a geração que cresceu sob o golpe tolerasse que estudantes fossem espancados nas ruas no Rio de Janeiro, que levassem tiros de borracha e choques de teaser, que fossem perseguidos pela polícia após a dispersão das passeatas.

E a desculpa nem é “evitar o comunismo”, como era nos anos 60: é liberar o trânsito ou evitar que “baderneiros” reclamem do governador.

Tempos estranhos, sem dúvida.

La Moneda: bombardeado em 1973.

La Moneda: bombardeado em 1973.

Vigiar e punir a polícia

Foram as dezenas de câmeras, i-phones e afins – nas mãos de manifestantes, e vizinhos do protesto de segunda-feira – que impediram que a polícia mantivesse preso um manifestante acusado falsamente de jogar um cocktail molotov. A acusação contra ele era de tentativa de homicídio.

Considerando que a polícia já o tinha eletrocutado quando ele estava caído no chão, considerando que ele foi levado preso desmaiado e considerando os gritos do policial que  o mostrou para as câmeras (“ele jogou o cocktail molotov!”), o manifestante não devia esperar um tratamento delicado nas mãos da polícia.

Mas a vigilância sobre a polícia – ao lado de uma sensação profunda de revolta de quem viu os vídeos (e, mais ainda, de quem estava lá) – permitiram que se reunissem provas de que o manifestante era inocente. Provar a inocência é uma daquelas coisas que só se faz em ditadoras. O normal é quem acusa ter o ônus da prova.

A polícia – de agora em diante – será filmada de todas as janelas, por todos os telefones de passantes e manifestantes. Aprendemos que isso é questão de sobrevivência. A polícia será mais vigiada. Mas dificilmente será punida. E isso quer dizer que vai continuar dando choques em pessoas caídas e tiros no rosto de manifestantes.

Os protestos de rua no Rio de Janeiro nunca pretenderam derrubar o governo. As manifestações sempre foram de cobrança por melhores serviços públicos, foram pelos serviços que o governo promete e não entrega. Foram também contra abusos do governador com dinheiro público e – quase de desde as primeiras – contra os crimes cometidos pela polícia na repressão a manifestantes.

Acusar falsamente um inocente de tentativa de homicídio é crime. Acusa-lo na TV é outro crime. Enfim, pelo menos por calúnia, injúria e difamação os policias que prenderam (e apresentaram o manifestante à TV como culpado) deveriam estar sendo processados. Alguém sabe como vai o processo? Alguém sabe se um dia vai haver processo?

Um fotógrafo da AFP foi espancado pela polícia no protesto de segunda-feira. Ele estava tirando fotos, não fazia nada de ameaçador ou criminoso. Há processo por agressão contra o policial que o espancou?

É a P2 que vai investigar os crimes da policia? A mesma P2 que está sendo acusada de infiltrar agentes e de efetivamente lança o cocktail molotov na polícia para justificar a repressão ao protesto?

O comandante da polícia militar disse que se sentia enojado por alguém levantar a hipótese de quem um policial pudesse lançar bombas em um colega de farda. Ato falho horrível. Em civil pode jogar bomba? Os policiais a paisana da P2 se sentem colgas de farda da PM? Enfim, a polícia vai investigar se ela mesma jogou a bomba?

O problema é que, se ela não fizer isso, vai assumir que não adianta cobrar do Estado que trabalhe. Se o topo da hierarquia da polícia, se o governo não punir os policiais que comentem crimes, vai ser preciso mudar o topo da hierarquia da polícia.

Sim, os protestos não são para derrubar o governo mas, se o governador renunciasse e o vice mudasse a cúpula da polícia (no mínimo, conivente com crimes violentos contra os manifestantes), talvez as coisas se acalmassem um pouco.

Vigilância assustada.

Vigilância assustada.

Preconceitos sobre os peregrinos

Pela quantidade de policiais nas ruas, o governo esperava que a cidade fosse tomada por uma horda de torcedores de futebol irritados, ou de “vândalos”, como os repórteres da Globo gostam de dizer. Mas os peregrinos que vieram ver o papa são um modelo de educação e civilidade.

Não há como não passar por eles: são onipresentes no Rio. No metrô, então, há quase um a cada dois metros quadrados. Eles se atordoam com a publicidade colorida que cobre a cor original das catracas (há uma cor de roleta para cada tipo de passagem) mas acabam descobrindo como passar.

Diferentemente do que a prefeitura parece ter imaginado, eles não trouxeram asas ou outro equipamento para voar pela cidade. O transporte, então, é um problema. O metrô e os ônibus já não davam conta do fluxo normal de moradores nos dias normais. Com um milhão e meio de pessoas a mais, as coisas ficaram bem confusas. Mais confusas ainda se lembrarmos que os milhares de policiais nas ruas não estão lá para dar informações – eles não tinham nada a dizer durante o colapso do metrô na tarde de ontem. Eles estão lá para… Bom não está claro para que os policiais estão lá.

O ajuste dos preconceitos oficiais à realidade dos religiosos tem sido muito lento, o que produz cenas realmente surreais. Hoje, por exemplo, os auto-falantes do metrô anunciavam que, às 16h30, a estação São Francisco Xavier seria fechada devido à grande quantidade de peregrinos na região.

Eu sei, é um processo lento de aprendizado. Mas, cedo ou tarde, a administração do metrô e do município vai aprender que, quando muitas pessoas querem ir para um lugar (e especialmente quando não sabem direito como chegar lá) o papel delas é ajudar – e não impedir ou sabotar o acesso.

Acostumados a bater em quem reclama, a fechar o metrô em áreas de passeata e a infernizar a vida dos caricas, Eduardo Paes e seu mentor, Sergio Cabral, estão agora torturando os peregrinos. “Peregrinação é isso”, deve estar pensado o prefeito.

Mais um preconceito que – ao lado do dos missionários vândalos voadores –  precisa ser deixado de lado.

O papa – em sua passagem pela Tijuca, daqui a pouco – podia criticar a maneira como a prefeitura local trata seus fiéis. Talvez a crítica papal faça o prefeito ver a luz (ou, pelo menos, fazer o dever de casa com medo da publicidade negativa).

Peregrina estóica tenta ignorar os tormentos  provocados pelo  prefeito do Rio de Janeiro.

Peregrina estóica tenta ignorar os tormentos provocados pelo prefeito do Rio de Janeiro.

Do ius barracandi

Ao comentar a troca de acusações, na imprensa, entre seus colegas Cezar Peluso e Joaquim Barbosa, o ministro do STF Marco Aurélio declarou que a briga “não contribui para o fortalecimento das instituições”. Para ele, com a desavença escancarada, “quem perde é a Corte” e “aos olhos do jurisdicionado, isso não é bom”.

Data maxima venia, vossa excelência, é justo o contrário: faltam bate-bocas públicos, não só no Judiciário, como no Executivo, no Legislativo e até, ou principalmente, na imprensa. Em nossa democracia incompleta, em que o indivíduo tem liberdade de expressão, mas não direito à informação, com freqüência é na lavação de roupa suja que debates indispensáveis ao exercício pleno da cidadania vêm à tona.

O corporativismo, a mútua proteção, a discussão contida, se preservam “a Corte”, privam as pessoas de conhecerem os reais motivos e maquinações por trás de decisões que se impõem a todos. E, sem acesso a essas informações, a sociedade assiste cada vez mais passiva ao ritual de sempre, em que um grupo restrito resolve o que pode ou não pode, o que é certo ou errado, o que é bom ou mau.

A imprensa, essa mesma que expôs as denúncias bombásticas dos ministros, é um exemplo emblemático de como, no Brasil, os poderes se esmeram em defender os princípios democráticos, desde que protegidos da crítica externa por um pacto não-declarado de não-agressão e sigilo interno.

Não há outra explicação para o silêncio ensurdecedor em jornalões, sites, rádios e TVs sobre as relações no mínimo exóticas entre um editor de uma das maiores revistas do país – Policarpo Júnior, da Veja – e o onipresente Carlinhos Cachoeira.

O dito “quarto poder”, percebe-se por esses e outros tantos casos, gosta de fiscalizar tudo, menos a si mesmo. Deve achar, assim como Marco Aurélio, que investigar um possível desvio de um (ou mais) de seus membros “não contribui para o fortalecimento das instituições”.

Não mesmo?

Seu salário agora compra 5,7% a menos – e contando

A inflação acumulada entre fevereiro de 2010 e janeiro de 2011 foi de 6,0%. Se o seu salário não teve nenhum aumento nesse período, na prática, ele caiu 5,7%.

O ministro da Fazenda – que teve um aumento de salário de 149% anunciado em dezembro – continua dizendo que o aumento da inflação é  temporário, uma “coisa normal”. Boa parte desse aumento de preços tem a ver com as políticas implementadas por ele nos últimos dois anos (crédito barato para empresas amigas, aumento acelerado do gasto público etc.). Delírios à parte, Guido Mantega chega ao ponto de reclamar da valorização do real (queda do dólar), uma das poucas coisas que, hoje, evita que a inflação dispare.

A conhecida dificuldade do ministro em evitar aumentos do gasto público aponta para mais inflação nos próximos meses. Também teremos mais conversa para boi dormir sobre “aumentos normais” e mais queda no salário real de quem não tem aumento acima da inflação aprovado pelo Congresso aos 45 do segundo tempo.

A carta do povo

Quando o Jornal Nacional encerra a edição com uma carta de “uma moradora da Vila Cruzeiro” agradecendo aos “nossos guerreiros, nossos heróis, que vieram nos libertar”, a provar que o recurso da força tem o aplauso também dos excluídos, dá para saber que a violência no Rio de Janeiro não vai acabar tão cedo.

Crer que autoridade é solução para criminalidade é como acreditar que congelamento de preço acaba com inflação; que operação tapa-buraco melhora infra-estrutura de transportes; que aprovação automática evita analfabetismo funcional.

É como engolir a carta de “uma das milhares de pessoas que transitam entre tiros pelas ruas do Complexo do Alemão” como uma demonstração de que os grandes veículos de comunicação estão ansiosos por ouvir a voz – e os interesses – da miséria que subsiste no país.

Não se trata de demonizar a mídia, de relativizar a violência, de culpar as elites ou de repetir qualquer outro lugar-comum usado para ridicularizar toda tentativa de se mostrar o óbvio: que o Rio de Janeiro e o Brasil não têm só um problema de violência.

Exclusão, desigualdade, preconceito, segregação, corrupção, impunidade, injustiça, ignorância, covardia – como todo mundo “já cansou de ouvir” – não nascem da violência física. O nexo, se existe, é justamente outro.

Talvez, se a moradora da Vila Cruzeiro mandar uma carta, o Jornal Nacional um dia também fale desse assunto.

Enquanto isso, ficamos com nossa programação normal.

O problema, como se vê, é só a violência.

Vendo o que se quer: Meirelles no Banco Central

Quando o que se acha que vai acontecer começa a ficar muito parecido com o que se quer que aconteça é porque nossa previsão de futuro está errada. Alguns dos melhores economistas do país achavam que Henrique Meirelles ia continuar na presidência do BC no próximo governo. Achava porque… porque isso seria bom.

Mas esperar que o mesmo governo que confirmou Guido Mantega para a Fazenda mantivesse o presidente do BC porque isso seria bom para a economia já cai na categoria do que os anglófonos chamam de wishful thinking, já é mais torcida que previsão.

A previsão – agora que Meireles não vai mesmo ficar – é de alta da inflação. Se o futuro governo não garante a autonomia do Banco Central e nomeia para a Fazenda um defensor de subsídios, gastos altos e juros baixos, a única coisa a esperar – para desgraça geral – é a volta do dragão (e o aumento da dívida pública e a queda na produtividade da economia).

Da série "primeiras medidas do novo governo": demitir o amansador de dragões.